Olá, monstro que espera atrás de minha porta.
Sei que o teu barulho de madeira rangendo já é clichê, que há anos eu não acredito mais que isso seja culpa do vento e que você sabe em que eu acredito. Eu sei disso pela maneira como você se manifesta, pela sua preferência por me ver fraquejar e pela frequência com que isso acontece.
Nunca tentei esquematizar os horários que te ouço bater, porque sinto que é tudo graças a mim. Eu te crio desde os meus 15 anos e você só existe porque eu acredito em você.
Eu te alimento.
Sei que tentou entrar naquela quinta-feira de madrugada, quando eu chorei por motivos tão assustadores quanto você. Eu ainda não fazia ideia de que você existia, muito menos que me vigiava. Talvez aquele tenha sido o estopim de tudo, e você tenha surgido por um propósito.
– Mãe? – perguntei, tentando disfarçar as lágrimas.
Sem resposta.
– Mãe, você está acordada? – insisti, mas fui novamente ignorado. Passei a pensar que fossem barulhos vindos de dentro da minha cabeça, uma mente fértil imaginando cada desgraça possível que o horário permitisse, buscando algo para fugir dos pensamentos que expunham a realidade em que eu vivia. Eu precisava pensar em qualquer outra coisa.
Talvez um ladrão invadindo a minha casa.
Talvez um monstro atrás da porta.
Levantei-me da cama e, impulsivamente, me pus a andar pelo corredor, indo até a cozinha e acendendo a luz – eu sei que você some quando eu faço isso.
O único motivo desses movimentos é a esperança de que qualquer surpresa aconteça, que qualquer coisa tire o foco dos meus pensamentos negativos.
Chega. Eu quero ver você.
Pela milésima vez, ando até o corredor e acendo a luz da cozinha. Vejo a porta do banheiro aberta e passo por ela. Com a luz acesa, me olho no espelho com os olhos pesados de lágrimas e curvo meu rosto em direção à pia. De encontro com a água. Fecho meus olhos por segundos e, após isso, volto a olhar meu reflexo no espelho.
Você está lá.
Posso ver o monstro atrás de mim, me observando temerosamente com seus olhos vermelhos e seu rosto deformado.
O monstro está logo atrás de mim.
O monstro está em mim.
O espelho se racha na minha frente, se quebrando em vários pequenos pedaços. Logo em seguida, ele está completo novamente.
Eu não sei quanto tempo passou.
Eu não sei o que passou em mim.
Eduardo Matheus Palini
Aluno do Curso Técnico de Eletrotécnica
Fundação Liberato
Primeiro lugar
Categoria Crônica
Liberarte 2018