Conexão entre os poemas de Florbela Espanca e as músicas do álbum 1974 Elis e Tom

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Na disciplina de Língua Portuguesa e Literatura, nos quartos anos dos Cursos Técnicos de Mecânica e Química, da Fundação Liberato, foi proposto um trabalho de literatura, para o segundo trimestre de 2018. Essa atividade visava à leitura, análise e comparação dos 22 poemas de Florbela Espanca e das músicas do álbum gravado por Elis Regina e Tom Jobim, em 1974, indicados como leitura obrigatória para o vestibular da UFRGS 2019 (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, 2018). Assim, a turma foi dividida em grupos, que se encarregaram de ler as músicas e os poemas; analisá-los, a fim de apreender seu significado; relacioná-los, por algum critério que o grupo determinasse, como, por exemplo, semelhança, diferença; e, finalmente, relacioná-los a outra(s) obra(s) de arte.

Os trabalhos foram apresentados para a turma, o que proporcionou que as aulas se tornassem momentos ricos de trocas de leituras, a partir dessas apresentações, pois houve variedade de análises bem como de outras obras relacionadas, que contribuíram para tornar as aulas mais atraentes e significativas, favorecendo e facilitando a aprendizagem. A atividade, ao proporcionar que os grupos analisassem as músicas e os poemas, e os relacionasse, bem como a outras obras, aponta para a importância de, ao se fazer uma leitura, compreender a obra e relacioná-la a outras possibilidades de leitura. Essa é uma forma de ampliar a capacidade leitora na perspectiva do multiletramento (KERSCH, COSCARELLI; CANI, 2016), uma vez que parte da música e do poema para ampliar o repertório leitor a partir de pesquisa na internet, por exemplo, como foi o caso deste trabalho.

 Lucrécia Raquel Fuhrmann Professora de Língua Portuguesa e Literatura Fundação Liberato

Lucrécia Raquel Fuhrmann
Professora de Língua Portuguesa e Literatura
Fundação Liberato

 

Este relato apresenta o trabalho de Nicole da Silva I, Rillary Victória Diemer e Nicole da Silva II, alunas do curso Técnico de Química, como forma de mostrar um exemplo do que foi realizado. A música de Elis Regina e Tom Jobim, que o grupo analisou, foi “Só tinha de ser com você”, transcrita abaixo, junto com as demais relações feitas pelas componentes.

Só tinha de ser com você
É, só eu sei
Quanto amor
Eu guardei
Sem saber
Que era só pra você.
É, só tinha de ser com você,
Havia de ser pra você,
Senão era mais uma dor,
Senão não seria o amor,
Aquele que a gente não vê,
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu pra você.
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu pra você.
É, você que é feito de azul,
Me deixa morar nesse azul,
Me deixa encontrar minha paz,
Você que é bonito demais,
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você,
Você sempre foi só de mim.
É, você que é feito de azul,
Me deixa morar nesse azul,
Me deixa encontrar minha paz,
Você que é bonito demais,
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você,
Você sempre foi só de mim.
Eu sempre fui só de você […]

O trecho mais marcante da música é aquele em que diz “Eu sempre fui só de você, você sempre foi só de mim”, a partir dele, podemos entender bastante sobre o que a música trata. A música nos conta sobre duas pessoas que sempre se amaram, sobre um amor verdadeiro e que durará para sempre. Nessa música, as duas pessoas querem estar juntas, porque se estivessem separadas seria apenas mais uma dor, não seria amor.

O grupo escolheu fazer uma relação de oposição entre a música e vários poemas de Florbela Espanca que podem ser considerados opostos ao que diz a música, pois a autora é bastante pessimista em relação ao amor. Isso pode ser evidenciado nos poemas “Amiga”, “O maior bem”, e “Frêmito do meu corpo”. Os três poemas citados falam sobre amores que não deram certo ou que não foram correspondidos, trazendo sofrimento. Apesar deles se encaixarem na relação oposta à da música, o poema escolhido pelo grupo foi o poema “Amar!”, em que o eu lírico fala sobre amar muitas pessoas e ter diversas relações durante a vida, também fala que “quem disser que pode amar alguém durante a vida inteira é porque mente”, sendo completamente oposto ao que é dito na música de Tom Jobim e Elis Regina nos trechos “sempre fui só de você e você sempre foi só de mim” e “só tinha de ser com você”.

Amar!
Amar! Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui… além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente…
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar

A comparação com outras obras de arte se deu por meio do poema “Destinada”, escrito por Mariana Siqueira; das músicas “Búzios do Coração”, da Banda Uó, e “De amor ou paz”, cantada por Elza Soraes; do quadro “Noite estrelada”, de Vincent van Gogh; e do filme “Os amantes do círculo Polar”, de Julio Medem [este relato apresenta os três últimos].

De Amor ou Paz
Quem anda atrás de amor e paz
Não anda bem
Porque na vida o que tem paz
Amor não tem
Seja o que for,
Sou mais o amor com paz ou sem
Sei que é de mais
Querer-se paz e amor também…
Já que se tem que sofrer
Seja dor só de amor
Já que se tem que morrer
Seja mais por amor…
Vou sempre amar
Não vou levar a vida em vão
Nem hei de ver envelhecer
Meu coração
Eu hei de ter, ao invés de paz
Inquietação
Houvesse paz
Não haveria esta canção…

A música “De amor ou paz” retrata uma ideia contrária à da música de Elis e Tom. Enquanto esta relaciona o amor com encontrar sua paz, como no verso “Me deixa encontrar minha paz”, a música de Elza discorda disso, expressando que ou temos amor ou temos paz, pois o amor é turbulento e com ele não há paz, mas, mesmo assim, ela prefere o amor à paz. E também podemos observar que o verso “Vou sempre amar” expressa que o eu lírico acredita que é possível um amor eterno, o que discorda do poema da Florbela, que diz que amar alguém durante a vida inteira é impossível.

Outra obra relacionada à música e ao poema analisados foi “A Noite Estrelada”, de Vincent van Gogh. Ela foi criada enquanto o pintor estava internado num hospital psiquiátrico. A obra retrata a vista da janela de um quarto do hospital de Saint-Rémy-de-Provence, pouco antes do nascer do sol, com a adição de um vilarejo idealizado pelo artista. Na época o artista não estava bem mentalmente e se internou voluntariamente, sua pintura remete à paz, beleza e tranquilidade do amanhecer da qual ele sentia falta (QUADRO…).

Quadro: A Noite Estrelada, de Vincent Van Gogh - 1889.

Quadro: A Noite Estrelada, de Vincent Van Gogh – 1889.

Assim, é possível fazer uma conexão com a música quando o autor diz: “É, você que é feito de azul, Me deixa morar nesse azul, Me deixa encontrar minha paz, Você que é bonito demais”.

A terceira obra relacionada é o filme “Os Amantes do Círculo Polar’’, de Julio Medem, em que é contada a história de um casal que se conheceu aos oito anos de idade e, depois de grande amizade, foram separados pelo destino, que, anos depois, os une novamente, permitindo que vivessem seu amor há muito tempo esperado (RAMÍREZ VEGA, 2015). Assim como na história do filme, a música também fala sobre o amor predestinado e recíproco nos trechos “É, só tinha de ser com você”, “Havia de ser pra você”, “Que eu sempre fui só de você”, “Você sempre foi só de mim”.


Referências

KERSCH, Dorotea; Frank; COSCARELLI, Carla Viana; CANI, Josiane Brunetti. Multiletramentos e multimodalidade: ações pedagógicas aplicadas à linguagem. Campinas, SP: Pontes Editores, 2016.

QUADRO A Noite Estrelada de Vincent Van Gogh. Disponível em: <https://www.culturagenial.com/quadro-a-noite-estrelada-de-vincent-van-gogh/>. Acesso em: 05 ago. 2018.

RAMÍREZ VEGA, Néstor. Los amantes del círculo polar. 2015. Disponível em: <https://laberintocultural.wordpress.com/2015/02/04/los-amantes-del-circulo-polar/>. Acesso em: 05 ago. 2018.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Comissão Permanente de Seleção (COPERSE). Leituras obrigatórias 2019. Porto Alegre: UFRGS, 2018. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/coperse/concurso-vestibular/vestibular-2019/leituras-obrigatorias-2017>. Acesso em: 05 ago. 2018.

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