entrevistas: Pedro Roque Giehl e Alexandre Beluco

Banner-maiorO Seminário Internacional de Educação Tecnológica (SIET), em sua 24ª edição, promoveu, de maneira integrada com o Congresso Internacional de Recursos Renováveis e Sustentabilidade (CIRReS), discussões que permearam o tema da Educação, o emprego de recursos renováveis para a geração de energia e a promoção da sustentabilidade. A programação do evento trouxe, entre as principais atrações, a conferência “Educação para a inovação e sustentabilidade nos contextos pós-modernos”, ministrada pelo Prof. Dr. Pedro Roque Giehl da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, que, com suas palavras, provocou a reflexão em relação à escolha dos atuais modelos socias de produção e consumo.

Na sequência da programação do evento, o prof. Dr. Alexandre Beluco, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, participou da Mesa Redonda intitulada “A importância da pesquisa sobre energia na pós-graduação: desenvolvimento de projetos, parcerias e cooperação”. Além de apresentar alguns dos principais resultados de seus projetos de pesquisa, ele introduziu a discussão sobre a criação de um programa interinstitucional de pós-graduação em recursos renováveis.

Seguem as entrevistas dos conferencistas concedidas à Expressão Digital.

Leori Carlos Tartari
Secretário Executivo
Fundação Liberato

José de Souza
Professor do Curso de Mecânica
Fundação Liberato

 


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O grande desafio da educação é preparar os indivíduos para viverem a criatividade e o comprometimento coletivo, junto com a formação científica e tecnológica de qualidade.
(PEDRO ROQUE GIEHL)

 

1. Considerando o tema da sustentabilidade nos contextos pós-modernos, você acredita que a humanidade vai encontrar soluções para se manter nas condições minimamente razoáveis como civilização ou, fatalmente, vai entrar em colapso?

Mesmo lutando desesperadamente para não sucumbir ao pessimismo niilista da pós-modernidade, é necessário reconhecer que o colapso climático parece ser inevitável nas próximas décadas. Todas as evidências indicam que a humanidade não irá mudar seus hábitos de consumo e nem os seus modelos produtivos em curto e médio prazos. E mesmo se o fizesse imediatamente, persistiriam as dúvidas sobre a capacidade de reversão do processo de aquecimento global em curso. Portanto, deveremos ter o efeito crescente de impactos climáticos, que são parcialmente naturais, frutos dos ciclos de aquecimento e desaquecimento do planeta. Mas esse ciclo de aquecimento está sendo fortemente impactado pela emissão de gases de efeito estufa e pela destruição massiva de recursos protetivos da biosfera, o que amplia e acelera os impactos. Nesse sentido, os efeitos já são evidentes, e os relatórios dos cientistas da ONU sobre o clima e o tempo são assustadores. Exemplos disso são o degelo das calotas polares e a consequente elevação do nível dos oceanos, a intensidade inédita do calor no verão do hemisfério norte e a frequência crescente das tempestades. Dentre os impactos indicados, em médio prazo, estão a mudança radical do clima de regiões do planeta e a submersão de amplos territórios terrestres, eliminando cidades, áreas agrícolas e florestas, e diminuindo a biodiversidade. Condições com as quais a humanidade terá que conviver, se adaptar e criar formas de mitigar os efeitos.

Cabe lembrar que a temática da sustentabilidade ambiental está sendo pautada pela ONU desde a década de 1980, baseando-se em relatórios da comunidade científica de monitoramento das mudanças do clima. Desde 1992, estão sendo realizados periódicos encontros das nações para formular um entendimento engajado sobre metas de redução da emissão de gases de efeito estufa e outras medidas de contenção do aquecimento global. No entanto, até agora, não houve a adesão dos países mais poluentes e, nos demais, as medidas ficaram bem aquém das metas. No caso do Brasil, inclusive, houve significativo aumento do desmatamento de florestas e ampliação da emissão de gases nos últimos anos. Por outro lado, a velocidade e a intensidade das mudanças têm sido bem maiores do que as previstas pela comunidade científica em décadas passadas, ampliando o pessimismo sobre a capacidade reversiva do processo em curso. Isso confirma e amplia os engodos e os paradoxos da realidade de miséria da racionalidade humana e do mundo, como afirma Pierre Bourdieu. Não se consegue agir resolutivamente sobre este e outros problemas, e se justifica essa incapacidade no inevitável desastre, levando a uma inércia e paralisia fatalista diante das realidades interpretadas como líquidas ou incertas, nas palavras de Zygmunt Bauman. Paralisia da qual a Humanidade necessita sair se quiser reverter algo dos processos ou sobreviver nas novas condições e recursos. Para isso, é fundamental rever os atuais padrões de produção e consumo, até porque uma das consequências dos impactos climáticos será o aumento da escassez, o que deverá impactar mais as populações mais pobres.

2. No nosso contexto atual, o que é necessário para as instituições de ensino educarem para a vida e formarem cidadãos profissionais?

O grande desafio da educação é preparar os indivíduos para viverem a criatividade e o comprometimento coletivo, junto com a formação científica e tecnológica de qualidade. Isso passa por aquilo que Paulo Freire chamava de “a ousadia de educar a partir e dentro das realidades engajadas dos indivíduos”. A formação ética e a consciência em si e para si que levam ao engajamento requerem o senso de pertencimento social dos indivíduos, pois é, na realidade concreta, que as contradições sociais se revelam e é, na coletividade, que se percebem as oportunidades de superá-las.

Nesse sentido, ainda persiste o desafio das instituições de ensino e pesquisa em sintonizar seus processos com as instituições e as organizações socioeconômicas e políticas das suas localidades em interfaces engajadas de mútuo comprometimento e mudança. Dessa forma, desenvolvem-se tempos e dinâmicas diversas entre a vida das realidades existentes e a vida e a dinâmica das instituições de ensino, despotencializando a formação profissional e cidadã dos indivíduos. Dicotomia essa superada na maioria dos sistemas de educação com sucesso e bom desempenho, principalmente, na educação para o empreendedorismo econômico, social, cultural e político.

Entretanto, no caso do Brasil, o desafio é bem maior. É necessário superar a condição de sistema básico de ensino falido como um todo, como assumido publicamente pelo atual ministro da educação. Isso porque, além da ausência de sintonia e de engajamento com as realidades, o sistema é absolutamente falho na capacidade do ensino básico, pois 7 em cada 10 estudantes não dominam o mínimo esperado do conhecimento em Português e Matemática, ao término do ensino médio. O país tem também um dos mais altos índices de população adulta sem ensino fundamental completo (46%), um dos mais baixos investimentos médios aluno ao ano (958 dólares) e uma escolaridade média de 7,9 anos. Enquanto isso a média mundial de escolaridade é de 12 anos, e os países mais empreendedores investem entre 7 e 9 mil dólares por aluno ao ano. Por essas e outras realidades, o Brasil tem o segundo pior sistema de ensino dentre os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Portanto, há muito a ser feito para atingir as condições de aperfeiçoamento do enfoque estratégico da educação brasileira.

3. Na sua opinião, qual é a mudança necessária para que o Brasil possa vislumbrar um futuro melhor como sociedade?

O Brasil se caracteriza pelas suas grandes contradições e pela dificuldade em superá-las. É um país com amplas riquezas e uma diversidade produtiva excepcional. No entanto mantém uma gigantesca concentração de riquezas, em que 0,21% da população mais rica detém 40,81% da riqueza e 50% da população com apenas 2% da riqueza. Isso por si já é um dado de grande injustiça social, mas é também retrato da despotencialização econômica de produção e consumo, em que amplas parcelas da sociedade são mantidas fora do exercício dos seus potenciais. Outra contradição é a percepção da corrupção endêmica e a incapacidade de estabelecer mecanismos de controle e transparência dos fluxos financeiros públicos e privados que alimentam essas relações em todas as esferas governamentais. Ademais, a maior de todas as corrupções é o sistema de dívida pública, mantida pelo Tesouro Federal e que consome mais de 40% da capacidade de arrecadação do Estado todos os anos. Esse sistema mantém um fluxo oneroso de negociação de títulos, controlados por um número restrito de bancos privados e remunera parcelas restritas de investidores.

Portanto, se o Brasil conseguir fazer as rupturas históricas necessárias, for capaz de qualificar e democratizar a gestão pública e viabilizar o acesso à riqueza, resolver as lacunas na educação, na segurança e na infraestrutura, terá as condições de desenvolvimento econômico e social necessário e merecido pela sua gente. E isso passa, necessariamente pelas escolhas que esta sociedade fará no pleito eleitoral deste ano. É fundamental que a escolha seja por um caminho civilizatório e democrático e que ideias representativas de homofobia e totalitarismo não sejam legitimadas, pois levariam a um retrocesso e a um atraso ainda maiores.

 

 

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A formação técnica na área de energia, no Brasil, vem avançando positivamente nas últimas décadas. (ALEXANDRE BELUCO).


1. Qual é a sua opinião sobre a formação técnica na área da energia no Brasil?

A formação técnica na área de energia, no Brasil, vem avançando positivamente nas últimas décadas. Essas duas primeiras décadas do século XXI viram o surgimento dos primeiros cursos de graduação em Engenharia de Energia, em um esforço no qual o nosso Estado do Rio Grande do Sul se mostrou um dos pioneiros. Esses cursos, juntamente com cursos de graduação plena e de graduação tecnológica, em áreas relacionadas ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável, contribuirão, decisivamente, para o enfrentamento dos desafios que se apresentam para curto e médio prazo e também contribuirão para as mudanças que se mostram necessárias, para que nossa sociedade, de um modo geral, se aproxime, progressivamente, de uma economia mais sustentável.

2. Considerando o atual cenário brasileiro, quais são os principais desafios do setor energético?

O Brasil é um país com muitas distorções em vários setores de atividades e com muitas falhas em áreas vitais, como a da infraestrutura. Essas distorções apresentam dificuldades ao setor energético, que precisa atender às demandas por crescimento (em quantidade e em qualidade) de uma economia com sérios problemas estruturais.
No setor de transportes, por exemplo, temos um país que depende excessivamente do transporte rodoviário, que é muito mais caro e menos eficiente. Um número maior de caminhões nas rodovias impacta de vários modos a economia e o setor energético e impacta também sobre o custo social associado ao número de mortes no trânsito.

Além disso, o país enfrenta, atualmente, uma crise de disponibilidade hídrica que compromete a capacidade esperada de geração das usinas hidrelétricas e de seus reservatórios para o fornecimento de energia elétrica, exigindo uma maior contribuição das usinas termelétricas, com todas as consequências dessa contribuição.
O Brasil é um país privilegiado no cenário mundial pelo seu potencial hidrelétrico em grande escala e (pelas suas características continentais e pela sua localização geográfica) pelos seus potenciais energéticos também considerando outros recursos renováveis. No entanto se vê, neste momento, envolvido em cenário de crise, com a cobrança de tarifas, com um esquema de bandeiras tarifárias para dar conta da elevação de despesas por conta dos suprimentos de energia obtidos de usinas termelétricas.

Eu diria que os maiores desafios estão associados com tomada de decisões e planejamento estratégico!

3. No seu ponto de vista, qual é a maior dificuldade para a ampliação, a curto prazo, das fontes de energia renováveis no Brasil?

A maior dificuldade para a ampliação de quaisquer novas tecnologias em um país com sérios problemas estruturais, como é o caso do Brasil, está sempre associada às dificuldades para o desenvolvimento de tecnologia e à falta de investimentos apropriados.
O Brasil vive um momento de crise profunda, tanto econômica quanto financeira, que impacta diretamente o desenvolvimento de novos projetos, e aí se incluem projetos de geração de energia a partir de recursos renováveis.

A maior dificuldade agora é vencer o atual momento de crise!

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