1997

O pequeno caminhão fez a curva e parou. O rapaz deu um sorriso tímido enquanto dobrava a pequena placa de papelão, feita de uma tampa de caixa de sapatos, onde escrevera com um pincel atômico o nome de sua cidade. A placa ajudava, sim, ele podia perceber. Caminhou até a porta, deu um bom dia, abriu e entrou. Dois rapazes estavam já dentro da cabine e o caroneiro se chegou mais próximo do motorista para que o recém-chegado pudesse se aprumar com sua mochila de estudante. Poucas e gentis palavras foram trocadas, enquanto o caminhão entrava em movimento novamente.

O rapaz olhava pela janela, numa felicidade silenciosa, observando o dia nublado, que vez por outra ensaiava uma garoa. Era meados de abril e um friozinho já se insinuava. Estava feliz por ter conseguido logo a terceira carona do trajeto. Se começasse a chover, ficaria ruim. Os motoristas não gostam de parar, não gostam de molhar o carro por dentro para dar uma carona. Essa o levaria para perto de casa. Para perto dela.

Era sexta-feira. Dia de ligar para ela. Ele a veria no dia seguinte, e novamente no domingo. O que poderia ser melhor? Com as caronas (uma até a Scharlau, outra até o pedágio, e agora essa até sua cidade), estava economizando mais uns R$ 2,35. Teria algum para um refrigerante com a turma no sábado à noite. Com as economias da semana, dava até para um cachorro-quente. Mas não era só isso. Chegaria cedo, antes do horário em que seus pais o esperavam no restaurante para trabalhar. Isso significava que faria um adesvio, indo primeiro para casa dar uma cochilada. Depois, de bicicleta, iria até o restaurante. Chegaria, de carona, mais cedo do que chegaria de ônibus.

Sexta-feira era uma vitória. Era o dia da aula no laboratório – a primeira disciplina prática. Estava indo bem, notas não excelentes, mas boas. Um bom conví­vio na turma. O Grêmio indo bem na Copa do Brasil. Tudo certo, o que poderia estar melhor?

Em pé desde as cinco e meia da manhã, todos os dias, o rapaz se segurava para não pegar no sono nos bancos do carona estrada afora. No ônibus era normal, mas na carona ficaria esquisito. Naquela manhã em particular, o sono não incomodava, pois a janela do pequeno caminhão estava aberta, e um arzinho gelado lhe encontrava o rosto.

A expectativa do que vinha pela frente, o futuro todo a ser descoberto, a cor dos olhos dela, tudo se misturava na mente do rapaz que, sorrindo, olhava para o mesmo caminho de todos os dias, achando uma graça especial nos planos que já fazia para o próximo dia 12 de junho. Estava certo de que conseguiria economizar um pouco mais e comprar um presente no shopping para ela. Ainda não sabia o quê, mas tinha tempo. As lembranças da Páscoa “um pequeno coelho de R$ 1,99 com chocolates, uma fita cassete gravada com músicas especialmente escolhidas e um cartão“ já haviam sido um sucesso. Ele conseguiria algo um pouco mais elaborado para o dia dos namorados.

A sensação de ser um cara de muita sorte estava com ele. E ele estava certo, tinha mesmo muita sorte. Existe coisa melhor do que se descobrir capaz de um monte de coisas, apesar das dificuldades? Para aquele rapaz, naquele momento, não havia. Não, não havia nada melhor do que a expectativa de tudo de bom que estava por acontecer…

André Luis Viegas Professor de Química da Fundação Liberato

André Luis Viegas
Professor de Química da Fundação Liberato

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