Proposta de atividade a partir da peça teatral Filhote de Cruz-credo, de Fabrício Carpinejar
Falar sobre o bullying, atualmente, já se tornou um pouco clichê. Diversos são os estudos, as notícias, as análises sobre este tema polêmico que tanto incomoda as crianças e adolescentes nos ambientes escolares. O fato de um jovem não aceitar que o outro seja diferente pode despertar em alguns um desejo, às vezes patológico, de provar que o diferente é inferior. E isso não é verdadeiro. Talvez esteja na supervalorização de algumas habilidades a causa da perseguição sofrida por vários estudantes, intimidados por não conseguirem se defender.
Fabrício Carpinejar, escritor leopoldense, passou por uma experiência de bullying durante sua infância. Considerado diferente por sua aparência e seus hábitos, não conseguia se entrosar facilmente e era subjugado pelos colegas que o excluíam das atividades em grupo. Essa experiência pessoal deu origem à obra Filhote de Cruz-credo, adaptada para o teatro e apresentada aos alunos da Fundação Liberato no dia 26 de setembro, no ano passado.
Como parte de um projeto do Núcleo de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, os alunos de primeira série dos cursos de Eletrônica, Eletrotécnica, Mecânica e Química estiveram no centro de Cultura de Novo Hamburgo, assistindo à peça teatral, atividade inicial de um trabalho que tinha como objetivo levá-los à reflexão do tema da exclusão na escola.
A obra teatral faz um retrospecto da infância do autor, brincando com as situações vivenciadas por ele. Sua aparência nada convencional foi bastante explorada, mas pelo viés do humor, que foi, na verdade, uma das soluções encontradas pelo protagonista para reverter a situação na qual se encontrava. O susto dos médicos ao vê-lo após o parto, as terríveis botas ortopédicas, as brincadeiras de mau gosto nos recreios, a rejeição por parte da garota mais bonita da escola são alguns dos fatos da vivência do autor que procuravam levar os espectadores a refletir sobre a necessidade de superação e busca de uma solução para um conflito que depende, muitas vezes, da atitude positiva da própria vítima. Essa solução surgiu a partir de uma conversa do menino com seu irmão mais velho que, com muita tranquilidade, orientou o caçula sobre a sua capacidade de vencer seus medos e seu sentimento de inferioridade e começar a rir de si mesmo, fazendo humor da situação, do momento. O relaxamento das tensões que surgem nesse episódio foi a saída encontrada por Fabrício, na peça, para se aproximar dos colegas e fazê-los ver que o diferente também pode ser bem legal. E que a beleza, no fundo, não está na pessoa, no objeto em si, mas nos olhos de quem admira e sabe valorizar o que é diferente.
Aliada à questão da superação estava a descoberta do talento do autor para a escrita, habilidade valorizada por sua professora e que se tornou, durante sua vida, além de sua atividade profissional, sua forma de catarse, para alívio das tensões vividas.
Significativa, também, foi a resposta dos alunos da Liberato em relação à atividade. Gostaram do que assistiram, identificaram-se nas reações e emoções do protagonista, repensaram suas próprias atitudes. Desempenharam, na verdade, um dos papéis da arte no ser humano: procurar a superação de suas angústias diárias. São jovens que passam boa parte do dia entre outros jovens, com realidades bem diferentes. Conviver com essas desigualdades é essencial para o sucesso do trabalho da escola. Provavelmente todo o nosso esforço aqui, como professores, se perderia, se não conseguíssemos fazer com que todos convivessem em harmonia e se sentissem bem onde estão.
As turmas de primeira série, foco do projeto do Núcleo, foram ao teatro em dois grupos (Figuras 1 e 2), respeitando o turno de aula de cada uma. Posteriormente, participaram de uma discussão, em aula, retomando aspectos da obra e suas próprias reações ao que haviam assistido. Muitas ideias surgiram e muitos olhares demonstraram a segurança, ou talvez o alívio, da identificação de seu problema na história do jovem leopoldense. E esse é o início da superação para cada um.
A etapa final da atividade ficou por conta de uma produção escrita proposta na aula de Língua Portuguesa, para algumas turmas. Os alunos se colocaram no lugar do protagonista, projetando um tempo futuro na vida daquela criança, para relatar, agora como adultos que superaram o bullying, as angústias pelas quais passou o jovem Fabrício. Muitos escreveram como se fosse o Fabrício pai, aconselhando o filho pequeno, na posição daquele que tem experiência e pode, com propriedade, ajudar o outro, com a força que se adquire depois das tempestades, das marés altas…
Muitos bons e emocionantes textos surgiram. Muitos já em processo de superação de suas próprias dificuldades. O que se pode dizer sobre isso é que, parece-nos, cumprimos, junto com a arte, o papel da escola: sair do nosso espaço cotidiano, comum, para ver outra realidade e vencer nossas limitações a partir de outras experiências.