Rio abaixo, rio acima

Rio abaixo, rio acima. Ou sobre a espera.

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(O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Marques é o livro que deveria ter ganhado o Nobel de Literatura, na minha visão. Um autor e uma obra marcante da literatura latina e mundial.)

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Melhor seria começar pelo fim. Melhor seria nem começar.

Navegar é preciso, viver não é preciso.

Seguindo a barca de Fermina Daza e Florentino Ariza, navegando rio acima e cabeceira abaixo, os atributos da navegação são recuperados (ou seriam do amor?). Amor um ato em si mesmo. Atos irracionais, sentido em si mesmo?

Como um eterno retorno, como se houvesse um ciclo, um tempo próprio, inalterado, único, sempre o mesmo.

Vai e vem.

São 51 anos, 9 meses e 4 dias.

Vai e vem.

Como se fosse um único dia, um único instante, como se nada houvesse passado entre o hoje e o ontem. Como se o tempo tivesse parado. Mas ele sabia que não havia parado porque lembrava cada instante em que viveu sem ela. Cada minuto do que experimentou e que ela não.

Como expressar 51 anos, 9 meses e 4 dias? Como fazê-la entender que viveu e não-viveu por ela? Como fazê-la sentir cada busca de olhar que o alimentava por mais 10 anos? Como compartilhar a experiência de ouvi-la rir, falar, caminhar sem ele durante 51 anos, 9 meses e 4 dias?

Rio abaixo, rio acima.

Gosto de tempo; tempo de velhos, pele seca, enrugada, mal-cheirosa, cheiro de tempo.

Como encantar quem não sabe que foi esperada e que durante todo esse pequeno longo tempo encantou?

Como dizer-lhe que a espera é parte do amor? Que não lhe importa ou incomoda ter esperado 51 anos, 9 meses e 4 dias.

Faz parte. Ele esperava por isso.

Como dizer-lhe que não importa a pele, o cheiro, ou melhor, importa sim! Porque afinal esperou e acompanhou cada ruga que teve, cada cheiro que ganhou, cada passo que deu.

Como dizer que esperou por essas rugas? Que amou cada marca e que viveu por acompanhar cada momento? Viveu intensamente esses 51 anos, 9 meses e 4 dias. Junto a ela estava.

A preocupação dele, agora, é como ela vai suportar as marcas dele.

Fermina Daza não tem 51 anos, 9 meses e 4 dias.

Fermina Daza não esperou.

Rio acima, rio abaixo.

Sonia Roselle Porto Machado Professora da Fundação Liberato

Sonia Roselle Porto Machado Professora da Fundação Liberato

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