Entre linguagens e saberes: construindo lentes

Estudos têm mostrado que, na atualidade, propostas pedagógicas estão afinadas com princípios do pensamento neoliberal, educando no sentido de criar sujeitos competentes para consumir mais e melhor. Nesse caso, a escola está contribuindo para uma lógica interessada em modelar esse tipo de sujeito. Faz parte do conjunto de dispositivos que agem na produção de novas subjetividades afinadas com esses princí­pios.

Outros estudos apontam que os jovens do mundo contemporâneo não visualizam perspectiva de futuro e são interpelados por instabilidades, incertezas, efemeridades, excessos, com estilo de vida individualista. Sem julgar se isso é bom ou ruim, temos, sim, possibilidades de agir como dispositivo nessa produção de subjetividade. O jovem apreende o mundo mediado por linguagens que imprimem sentidos, símbolos e verdades, podendo ser de forma passiva, ou então, podendo ser uma forma de fornecer ferramentas de análise, novas formas de ver, ser e estar no mundo. Essas linguagens funcionam como lentes que nos permitem enxergar o mundo de uma forma, ou de tantas outras.

Trabalhar com jovens que estão preparando-se para o mercado de trabalho, impõe-nos a necessidade de uma reflexão sobre essas questões, no sentido de transcender à  mera constatação. Sabemos que, para os jovens, não faltam informações que vêm proliferadas de estímulos visuais, virtuais e em tempo real. Coloco uma questão: como o jovem dá sentido a esses estímulos? De que forma esse processo implica na sua constituição de sujeito?

Pensar sobre essa fase da vida, envolve pensar sobre o que éramos e o que somos, sobre o que poderíamos ter sido, sobre o que esperamos ser, sobre a necessidade que os jovens têm de buscar segurança no grupo de amigos. Eles vivenciam dúvida, desilusão, solidão, sonhos que se entrelaçam com os fluxos de informações em redes discursivas que vão subjetivando e forjando suas identidades.

Acreditando que não existe passividade nesses processos de subjetivação, é que entendo a importância da mediação pelas diferentes linguagens como formas de construir lentes para e com os jovens, no sentido de ressignificar o excesso de informações, questionar verdades prontas e acabadas, desafiar para a capacidade de pensar, enfim, construir estilos de vida, fora da matriz essencialmente mercadológica. A informação, nesse caso, precisa ultrapassar o campo da razão e ampliar os elos entre emoção e razão de modo que possamos construir maneiras menos impositivas e mais refletidas de pensar sobre si, sobre os outros e sobre o ambiente. Essa não é uma tarefa imediatamente fácil. Não propondo grandes mudanças, mas pequenos movimentos diários, microfísicos, usando a noção foucaultiana, vão constituindo novos saberes, novas sensibilidades e novas subjetividades, formando novas redes de significados. As análises dicotômicas, uma herança da filosofia platônica que se tornou hegemônica por muitos séculos, reduzem o olhar para ver “ou isto, ou aquilo”. Fugir dessas análises é partir da premissa de que não temos uma realidade, mas temos uma variedade de mundos que coexistem o tempo todo, então, a realidade não é única, é múltipla. As possibilidades de análise também são múltiplas.

A metáfora das lentes, na perspectiva da medição pelas diferentes linguagens, é a construção de possibilidades de análise dos fenômenos sociais contemporâneos, o que implica percepções, significações e usos do tempo e do espaço de cada um. Diferentes linguagens nesta perspectiva são as muitas formas de expressar e comunicar algo, assim, como de entender e interpretar uma mensagem, seja pela imagem, pelo cinema, pela pintura, pelo vídeo, pela internet, pelo gesto, ou pela palavra. Todos são textos que carregam algum sentido, contudo, não sentidos fixos e acabados, podendo ser repensados, ressignificados, reconstruídos. Quantas vezes refletimos sobre o mundo que nos cerca provocados por uma pintura, por um filme, por uma música? Evidente que são sentidos diferentes para cada um. Vai depender das lentes que estamos “usando” até aquele momento. Muitas vezes precisamos de mediadores para esse exercício, alguém que nos “ajude a olhar”. Essa mediação traduz-se nas lentes que construímos, que nos permitem ver o múltiplo e pensar possibilidades. Nós, professores, estamos ajudando, cotidianamente, nossos jovens estudantes a construir lentes para ver o mundo. Talvez seja um pouco o que me fez pensar quando li o texto do Eduardo Galeano, no Livro dos Abraços, o qual descreve o pai que leva o filho Diego a conhecer o mar, diante do qual o menino fica perplexo, e expressa: “me ajuda a olhar!”.

Helena Sardagna Professora da Fundação Liberato

Helena Sardagna Professora da Fundação Liberato

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