Visita de estudos à Usina de Reciclagem de Resíduos de Campo Bom

Visita de estudos à Usina de Reciclagem de Resíduos de Campo Bom: uma década de parceria em prol da educação ambiental

Em minha fala, sempre é destacada a importância das visitas de estudos para aprimorar o processo de aprendizagem do aluno. Fora do espaço reduzido da sala de aula, e vivenciando a realidade que o cerca, o aluno fica mais predisposto a aprender.

O lixo produzido no Brasil, cerca de 240 mil toneladas por dia, é considerado um dos mais ricos do mundo, e sua reciclagem é cada vez mais realizada por catadores anônimos e informais. A maior parte desse lixo chega aos famosos lixões a céu aberto; só uma pequena porcentagem é levada para locais apropriados, como usinas de reciclagem. Em termos de comparação, os EUA produzem 607 t/dia, ou seja, em média, cada pessoa gera dois quilos de lixo por dia.  Na Alemanha, são produzidas 85 t/dia e a Suécia, 10,4 t/dia. Podemos diminuir, consideravelmente, esse número através da educação ambiental.

Nos últimos anos, vem se intensificando o cuidado com o lixo e, cada vez mais, esse tema vem sendo abordado pela mídia. Como administrar esse lixo da melhor maneira possível é, hoje, uma das grandes preocupações mundiais. Especialistas, instituições e entidades ambientalistas têm divulgado números assustadores sobre o assunto a cada ano. No Brasil, cada pessoa gera, em média, um quilo de lixo por dia; por ano, são produzidos 55 trilhões de quilos.

Quando iniciei um trabalho de Educação Ambiental em 2002, com a primeira turma do Curso Técnico de Segurança do Trabalho da Escola Positiva (hoje, Faccentro, Unidade Novo Hamburgo), as visitas de estudos ainda eram cercadas de dúvidas. Havia um pré-conceito dos alunos em lidar com o tema lixo, o porquê de falar dele, pois algo que cheira mal, que pode trazer doenças e que deve ser descartado, quanto mais longe, melhor. O pré-conceito se estendia, também, aos catadores.

Em uma aula expositiva, abordo o tema lixo, mostrando aos alunos o conceituado curta gaúcho “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado (1989), que traz a dura realidade de uma comunidade que reside nessa ilha (mas, na verdade, as filmagens foram feitas na Ilha dos Marinheiros) de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde as crianças comem o que os porcos rejeitam; é um curta de 13 minutos que sensibiliza os alunos. Contribui para o meu trabalho, também, o fato do filme Lixo Extraordinário, produzido pelo artista plástico brasileiro, radicado em Nova Iorque, Vik Muniz, ter sido indicado ao Oscar de melhor documentário de 2011. O filme acompanhou ao longo de dois anos, o trabalho dos catadores no maior aterro sanitário do mundo, o de Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. Vik consegue cativar o público, transformando o lixo em obras de arte, criando quadros que compõem as paredes da alta sociedade no Brasil e no exterior. O filme emociona os alunos e, a partir daí, começam a ter um outro olhar sobre o lixo e quem vive dele; percebem a importância da separação de resíduos, ao menos, em resíduo seco e orgânico, nas suas casas. Algumas empresas e escolas já incrementam essa separação, com várias lixeiras diferenciadas para vidro, papel, metal, entre outros.

Fig. 1. Alunos dos Cursos Técnicos de Segurança do Trabalho e de Design na visita de estudos Usina

Fig. 1. Alunos dos Cursos Técnicos de Segurança do Trabalho e de Design na visita de estudos Usina.

 

Em 2006, estendi a visita para os alunos do Curso Técnico de Segurança do Trabalho da Fundação Liberato e, em 2008, integrei às visitas, os alunos do Curso Técnico de Design da mesma fundação (Fig.1). Além da mudança imediata de postura dos alunos percebida após a visita, eles também serão multiplicadores, levando o que aprenderam com os catadores para os seus lares, além de ajudar os catadores a receberem um lixo separado, mais limpo e podendo aproveitar bem mais os resíduos, aumentando os seus lucros e cuidando mais do meio ambiente. Além disso, os alunos do Curso de Segurança observam os riscos iminentes no ambiente de trabalho, muitas vezes, insalubre, bem como o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) e Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC’s). Os alunos do Design já possuem outro olhar, visando um re-design; percebem, rapidamente, quanto material ainda pode ser obtido a partir do lixo, como reaproveitar esse material adequadamente, reduzir gastos, minimizar resíduos visando à sustentabilidade. Um momento de integração entre alunos de dois cursos com objetivos distintos, dentro da mesma fundação, também, pode ser destacado; juntos, em uma única visita, eles podem chegar a conclusões enriquecedoras.

A Usina de Reciclagem e Compostagem de Resíduos Sólidos Domésticos de Campo Bom existe há 16 anos, está situada na rua do Armazém, s/n, no bairro Mônaco e recebe, aproximadamente, 35 toneladas de lixo por dia (Fig.2). Atualmente, é coordenada por Geraldo Sinni e Gilmar Prestes de Quadros, que gentilmente recebem os meus alunos, no mínimo, duas vezes por ano, para realizarem visitas de estudo. A Secretária do Meio Ambiente do município, a psicóloga Gisela Maria de Souza, prontamente, quando solicitamos, faz o agendamento das visitas. A usina possui 38 catadores cooperados (Colabore Cooperativa de Construção Civil e Limpeza Urbana LTDA) que retiram o sustento da família a partir da coleta do material reciclável.

Fig.2. Diariamente chegam aproximadamente 35 toneladas de lixo por dia na Usina de Reciclagem de Campo Bom.

Fig.2. Diariamente chegam aproximadamente 35 toneladas de lixo por dia na Usina de Reciclagem de Campo Bom.

 

A organização, a referência pelo bom trabalho realizado, a melhora na autoestima e na qualidade de vida dos catadores, fez com que os trabalhos fossem ampliados e, a partir de 2010, eles iniciaram suas atividades no município de Novo Hamburgo, sob a coordenação de Paulo Ricardo Bohn e Claudir Frederico, ambos cooperativados. Hoje, já são 40 colaboradores. Os catadores cadastrados, em ambas as usinas, trabalham, diariamente, com segurança e dignidade, inclusive recolhendo contribuição ao INSS, garantindo benefícios como aposentadoria e auxílio doença.

Fig.3. Alunos do Curso de Segurança do Trabalho em uma manhã de estudos com os catadores de material reciclável da região.

Fig.3. Alunos do Curso de Segurança do Trabalho em uma manhã de estudos com os catadores de material reciclável da região.

 

Em julho de 2010, os alunos do Curso Técnico de Segurança da Fundação Liberato que já passaram pela Usina, Ariel Schuck, Raquel Aguiar de Magalhães e Mirela Aline da Silva, estiveram reunidos com, aproximadamente, 50 catadores gaúchos em uma manhã de reciclagem, falando sobre prevenção de acidentes e os perigos das doenças no ambiente de trabalho (Fig.3). Hora de retribuirmos toda a acolhida que sempre tivemos na Usina de Reciclagem! E o aprendizado nunca se encerra.

Iula Roberta Ávila Professora de Biologia da Fundação Liberato

Iula Roberta Ávila
Professora de Biologia da Fundação Liberato

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *