Olhares de estranhamento

Observar aquilo que nos é familiar, conhecido ou até mesmo cotidiano com um olhar de estranhamento é uma tarefa um tanto difícil e mesmo inusitada. Porém, esse foi o exercício sugerido para alunos da disciplina de Sociologia da Fundação Liberato. O objetivo principal do exercí­cio era tentar assumir uma posição de distanciamento com relação ao que seria observado/pesquisado. Para tanto, utilizou-se uma técnica antropológica de pesquisa chamada observação participante, na qual o observador partilha as atividades ou mesmo interesses do grupo que observa e, a partir dessa interação, produz seus relatos. Portanto, os alunos foram instruídos a caminhar pela Fundação e, assim, escolher um local de observação para, então, fazer a análise. Através da ótica do estranhamento deveriam, posteriormente, produzir pequenos textos sobre os contextos observados. A partir disso, selecionei alguns trechos, que seguem abaixo:

A princípio parecia um local comum, porém, observando mais atentamente, pudemos perceber algumas atitudes não muito comuns. As pessoas se reuniam ao redor de mesas segurando pedaços de plástico com figuras, ora gritando palavras incompreensíveis e sem sentido, ora falando sobre assuntos variados, porém tudo parecia fazer sentido e estar conectado para eles. Além disso, alguns também estavam sentados em algumas mesas, se alimentavam enquanto olhavam fixamente para uma estranha caixa presa à parede, de onde saíam imagens de pessoas aparentemente conhecidas. Pudemos notar também o costume que alguns mantinham de trocar pedaços de papel por alimentos,  e esse vinham em plásticos, que logo depois eram descartados. Prestando atenção nos diálogos, pudemos notar algumas reclamações por parte dos que se alimentavam no local, mas ainda assim continuavam comendo.” (Leonardo Franco, Bruno Lessinger, 4323).

Nesta terra, todos têm seu horário controlado por algum ser misterioso, que em determinado tempo, toca um sino e todos que se encontram ali presentes vão embora, dando lugar a outros grupos. Fazem suas refeições dentro de um templo iluminado com tochas e sentados sobre belos troncos de árvore, troncos muito bem esculpidos por mãos habilidosas. Eles adoram o que ingerem, tamanha idolatria pode se ver através das pinturas penduradas pelo templo. O povo parece ter muitas obrigações a cumprir ao grande e misterioso chefe, pois enquanto comem, também conversam e trabalham. Eles nem se preocupam com os micróbios que podem conter na sua comida, simplesmente vão comendo tudo o que recebem dos superiores. O mais incrível é que apesar da ingestão de tanta estranheza, seus dentes permanecem muito bem conservados e alguns ainda os enfeitam com algumas fitinhas coloridas. Todo o movimento no templo é baseado na troca de pequenos papéis coloridos, que os indivíduos recebem de uma simpática e poderosa moça, na qual foi designada a controlar o santuário sagrado, que se encontra logo na entrada. O santuário armazena muitos pacotes coloridos e de várias formas, os quais, se ingerido, pelo povo, lhe dão energia e felicidade. Há quem diga que, se ingerido, em excesso e fora de horário, podem causar inchaço, principalmente, na barriga. A hierarquia é baseada no quanto cada um receber de papéis. Os mais ricos ganham mais papéis e, com isso, comem mais. Ninguém questiona a respeito dos ingredientes, simplesmente se satisfazem com o que comem. Os alimentos chegam ao templo através de uma carroça moderna, que, ao invés de ser carregada por cavalos, é carregada por escravos. Depois de alimentados, os mais crentes e tementes ao grande chefe, lavam suas mãos em uma pequena fonte purificadora, que fica na saída do templo. Esse ritual repete-se todos os dias, por um povo que apenas tem como objetivo servir ao seu poderoso chefe e lhes entregar o trabalho bem feito quando o sino tocar pela próxima vez.” (Isaque e Raquel, 4324)

Um dos primeiros ambientes com que nos deparamos é o que os nativos chamam de “bar”. É um lugar onde vêm para, principalmente, se alimentar. Trocam seus papéis com valor simbólico (o qual é muito disputado na sua sociedade) por alimento. Além de se alimentar, os nativos se dirigem ao “bar” para se encontrar com os outros nativos (como um ponto de encontro) e para, às vezes, fazerem lições dos seus ritos de ensinamento. Os ritos de ensinamento são ritos onde os nativos com mais experiência passam seus conhecimentos específicos para os nativos com menos experiência. Esses ritos são divididos em anos, e esses anos em três partes cada. Ao final de cada uma dessas partes, os nativos com menos experiência passam por cruéis provas, que testam seus conhecimentos. Se o nativo não possuir um conhecimento mínimo, é obrigado a recomeçar a aprender os conhecimentos. Se os nativos não possuírem esses conhecimentos mínimos, não conseguem se integrar na sua sociedade, sendo praticamente excluídos e desconsiderados, não conseguindo adquirir os “papéis  com valor simbólico”, consequentemente não conseguindo se alimentar. Com uma observação rápida, pode-se concluir que a sociedade na qual se encontram esses nativos é uma grande corrida pelos “papéis com valor simbólico”, e esses são os grandes motivos para os nativos passarem pelos ritos de ensinamento e, consequentemente, pelas provas.” (Felipe, José Luiz 4324).

Maira Daniel Professora da Fundação Liberato

Maira Daniel Professora da Fundação Liberato

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