Considerações sobre a educação básica no RS (1)

Em função do espaço disponível dividiremos o texto em duas partes, uma primeira de análise geral do fenômeno e uma segunda com o apontamento concreto dos equívocos nas concepções aplicadas pelos diversos governos no tema em questão e a apresentação de propostas para sua solução.

A situação de calamidade da educação pública de nível básico no RS se deve as políticas do arco da direita, (mais recentemente de matiz neoliberal), e as da esquerda.

As políticas de caráter conservador do último governo da ditadura, (Amaral de Souza-PDS), e as sucessoras, de cara neoliberal, dos governos democrático-conservadores do PMDB de Simon à Britto, aviltaram definitivamente o salário e desestruturaram o CEPERS na sua impetuosidade e representatividade. Este fato ocorreu, sobretudo, através do enfrentamento à “greve dos três meses”, (no Governo Simon), lembrando a ação do “tatcherismo” na famosa greve dos mineiros. Aliás, a derrota do CEPERS naquela greve, durante o governo Simon-Guazzelli, talvez tenha sido o marco da vitória do neoliberalismo no RS, que atingiu sua maturidade no governo Britto e teve continuidade nos governos Rigotto e, principalmente, Yeda.

Essas políticas estão conectadas com uma nova etapa no capitalismo mundial em que a informatização e a robotização da produção tornaram desnecessária uma mão-de-obra mais preparada em termos culturais, a não ser em uma pequena quantidade de postos de trabalho. Para a maioria cabe uma reprodução mínima do conhecimento, (leitura e escrita básicas), ou, no melhor dos casos, uma educação “de treinamento”, ou seja, a preparação “focada” para um serviço específico de natureza mais técnica. Aumentou o universo atingido por esta educação mínima: ampliou-se e rebaixou-se a qualidade.

Aqui cabe explicitar o que se quer dizer através de um exemplo-paradigma: os call centers. Nesse serviço a alta tecnologia produziu um universo de trabalhadores que tem que saber ler, escrever e falar minimamente, o resto o sistema computadorizado faz: a ele se digita a pergunta e ele fornece a resposta. Portanto, o trabalho é mal remunerado. É claro que os engenheiros, administradores e, em menor medida, os técnicos que cuidam deste sistema, são o reverso da moeda: mais saber e maior remuneração. Mas eles são a ínfima minoria!

O destino subalterno dos que sofrem com esta educação de “reprodução mínima” de conhecimento, para ser base de mão-de-obra em serviços mal pagos, não vinculados a tecnologias de ponta (construção civil, limpeza em shoppings) ou, como é cada vez mais o caso, em decorrência destas tecnologias e a “idiotização” que promovem na mão-de-obra (call centers, balconistas), faz com que o ensino médio tradicional tenha perdido um pouco de seu sentido para o capitalismo atual e isto seja sentido pelos jovens, fazendo com que a evasão aumente nesse nível de ensino.

A conclusão é que para o sistema capitalista atual é desnecessário um ensino de qualidade e universalizante ou politécnico para as amplas massas. Decorrência disto tem sido adequar à política neoliberal de ajuste fiscal e estado mínimo, um tratamento discriminatório da educação básica pública que, ao ter que formar mão-de-obra com um conhecimento mínimo, contenta-se com “professores mínimos, salários mínimos e estrutura mínima”. Com exceção de algumas escolas de caráter técnico ou “de referência”, a mão-de-obra mais qualificada, técnica e/ou universalizante, sai, sobretudo, das escolas básicas e técnicas privadas.

Decorre daí uma realidade muito presente: a desvalorização profissional do docente do ensino básico público. Os baixos salários, a quebra da estrutura e da disciplina, a massificação da categoria e a conseqüente perda de qualificação da mesma, fazem da profissão de docente de nível médio algo desvalorizado de forma crescente pela sociedade, se distanciando do histórico conceito de professor, que nada devia ao de advogado, médico ou juiz, por exemplo.

Infelizmente o docente de nível médio é visto como “fracassado” e isto tem feito os mais capazes se afastarem da profissão.

Não soa incoerente dizer, portanto, que o resgate do simbolismo e da dignidade do professor é tão importante quanto o resgate do seu salário. Uma se liga intrinsecamente à outra, mas ambas possuem um grau de autonomia. Senão vejamos, uma grande campanha institucional de exaltação da profissão pode ser algo imediato, a um custo aceitável ao orçamento de publicidade do governo, e de importante repercussão na auto-estima desta categoria. Esta iniciativa deve ter como base o compromisso de recuperar de forma nítida, (com base no piso), a matriz salarial dos professores.

Este é o cenário estrutural, (em termos de políticas públicas no RS dos governos anteriores ao eleito em 2010), em que se insere a nossa reflexão sobre os acertos e erros da esquerda e, finalmente, as medidas que podem contribuir para a reversão do caos. (Continua.)

Daniel V. Sebastiani Professor da Fundação Liberato

Daniel V. Sebastiani
Professor da Fundação Liberato

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