Um grande abraço aos colegas professores da EET – São João Batista, que proporcionaram essa reflexão. Obrigado, Mariana, por nos ensinar sobre as tartarugas e dar início a essa viagem.
Foi a imagem do pequeno filhote de tartaruga vencendo com suas patas de remo a areia que havia sobre a casca já rompida. Seu primeiro encontro com a luz do dia e o calor da praia. O corpo diminuto ensaiando os primeiros passos sobre a macia areia. Essa foi a imagem que desencadeou a crônica que tomou conta da sala de reuniões…
Aquela imagem… a superação. A quebra da casca, o rompimento dos limites que a vida impunha. O cavar na areia. O sair do buraco rumo ao caminho do mar e da chance de uma privilegiada longevidade na imensidão oscilante. Como é bom, e raro, saber observar.
E é naquele andar compassado, lento, no tempo certo, que a tartaruga segue seu caminho. Há tempo de casca, há tempo de romper a casca. Há tempo de remover a areia sobre a casca. Não importa se a areia cair nos olhos. Não importa o quão espessa esteja a areia sobre si… é necessário removê-la. As tartarugas sabem disso. São assim. Fazem, já ali, ainda fora da vista de quem passa, o que tem de ser feito.
Os olhos devem ofuscar com a luminosidade do sol. Com o ser humano é assim. Tartarugas não usam óculos escuros. Encaram a luminosidade assim mesmo, do jeito que dá. E eu não sabia, descobri: é pela luminosidade, pelo reflexo do sol no mar que as tartarugas se guiam… É olhando para a imensidão iluminada do oceno que encontram o caminho… Embora longo, não é estreito. É vasto e iluminado. Ainda assim, cheio de riscos. As tartarugas são espertas…
E eu não sabia, descobri: nos locais onde as tartarugas desovam, muitas delas são encontradas mortas, embaixo de postes de luz… Uma praia iluminada demais à noite confunde a sensível vista dos filhotes… Procurando o mar, vão ao encontro da luminosidade de um dia artificial. Perdem-se. A onda não os encontra. Acabam-se ali, tendo vencido a casca, passeado sobre a areia, sentido a maresia, tendo talvez ouvido o barulho do mar? Salvem-se, tartarugas…
Vencer a casca, abrir caminho pela areia, andar sobre ela, descobrir a praia… não é suficiente para encontrar o caminho imenso das ondas e dos desafios dos sete mares de um planetinha qualquer, perdido num pequeno sistema solar, de um canto de uma galáxia comum, daquilo que chamamos de universo.
É preciso saber reconhecer o que é mar, o que é poste de luz.
Diferentemente das tartarugas, os seres que constroem os postes de luz podem distingui-los do mar. Até porque, não foram esses seres que construíram o mar. E podem escolher a quais encantos irão se render. Podem escolher com muita clareza entre acabar-se embaixo de um poste de luz, ou em plena imensidão verde azul.
Saber e poder escolher é bom. E raro. Os inventores dos postes de luz talvez precisem escolher também pelas tartarugas, que não o podem fazer por si. As tartarugas erram o caminho, mas sabem onde desejam ir. Não foram elas que dificultaram o reconhecimento do sentido da caminhada. Foram os mesmos seres que tentam, de muitas formas, reconstruir esse e outros tantos sentidos…
É nessa reconstrução de sentidos que moram muitos dos desejos desses seres… Esses desejos que chamam de sonhos… Sonho, estado de repouso ou devaneio onde um ser ousa, inconscientemente, sair de sua realidade para algo diferente…
Quem sabe, dar-se conta que o poste de luz deve ficar um pouco afastado da imensidão do mar. E que sua luminosidade não deve ofuscar visão nenhuma, mas servir como aparato auxiliar na escuridão incerta de tantas noites a serem varadas, na busca pela imensidão que cada ser tem dentro de si – essa sim, misteriosa e valiosa como o mar.