Feliz Natal, caro inimigo

Com produção francesa, alemã e inglesa, Christian Carion nos conta em Joyeux Noël (“Feliz Natal” no Brasil) a intrigante história dos soldados alemães, franceses e escoceses que, mesmo presos às trincheiras da 1ª Guerra, unem-se em plena terra de ninguém para celebrarem o Natal de 1914. Lançado em fins de 2005 e misturando personagens fictícios com fatos reais, a obra conta com os talentos de Daniel Brühl, Diane Kruger e Benno Fürmann para representar o intrigante relacionamento desses soldados em plena guerra, o que rendeu ao filme uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2006, além de indicações ao Globo de Ouro e ao BAFTA inglês.

Um célebre tenor alemão, representado por Benno Fürmann e obrigado a servir como soldado durante a guerra, vê-se livre na véspera do Natal para entreter o príncipe alemão. Ele volta às trincheiras na mesma noite para cantar aos seus companheiros e leva consigo sua noiva e parceira musical, representada por Diane Kruger. Mas as surpresas não acabam por aqui: as canções de Fürmann, cuja voz de tenor foi emprestada de um renomado tenor mexicano para o filme, é ouvida nas trincheiras francesa e escocesa, levando as gaitas de fole dos soldados escoceses a acompanharem sua cantoria em clima natalino.

É o padre anglicano escocês, representado por Gary Lewis, quem inicia a comunicação que passa a ocorrer através das canções natalinas e que leva enfim ao encontro dos soldados das três nações envolvidas na guerra justamente em meio à terra de ninguém. Até mesmo o tenente alemão, representado por Daniel Brühl, que se apresenta como um líder firme e zangado, entrega-se à confraternização que se inicia revelando cada vez mais sua natureza humana ao longo do filme.

Carion utiliza a música e a religião como a linguagem em comum entre esses homens para mostrar a todos que, mesmo levados a guerrear uns contra os outros, são na verdade mais semelhantes e unidos do que percebem de início. Joyeux Noël dramatiza esse momento bizarro de forma tão sutil que chega a impressionar, fazendo o espectador querer rir da imbecilidade que o conflito representa em meio à inesperada confraternização natalina, porém todos os sentimentos voltam-se durante o filme à profunda raiva e tristeza pelo ocorrido.

A guerra em si não é exibida de forma tão sangrenta e detalhada como ocorre em “Paths of Glory” (“Glória Feita de Sangue” no Brasil), drama de Stanley Kubrick lançado meio século antes e banido da França por agredir a honra francesa. Joyeux Noël se propõe porém a refletir sobre a carnificina ocorrida durante a 1ª Guerra Mundial muito mais do que mostrá-la. “Você é avô” diz o tenente francês confrontando seu pai, que o comanda em guerra, com a notícia do nascimento de seu neto em plena França ocupada pela Alemanha. O comandante francês fica intrigado com a emoção do filho, vê a guerra apenas como o confronto armado em busca da vitória, exatamente como Stanley a exibe. Seu filho, por sua vez, tendo vivido a trégua entre as tropas no Natal, percebe a falta de sentido que há na batalha entre pessoas tão semelhantes e relacionadas entre si.

Com uma fotografia belíssima e diálogos fiéis à língua de cada nação, recomendo assistir a Joyeux Noël muito mais pelo papel que o filme se propõe a assumir: a reflexão sobre os sentimentos envolvidos entre guerra e paz, entre amizade e ódio. Acredito que o sentimentalismo exposto principalmente durante o encerramento do filme não deve ser tomado como um truque para defender a paz, mas sim entendido como a forma natural de se expressar os reais resultados da guerra: tristeza, conflitos pessoais e as mudanças que esses provocam.

Rafael Claycon Schmitt

Rafael Claycon Schmitt

 

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