Relato de prática apresentado na Olimpíada de Língua Portuguesa Edição 2010
Etapa Semifinal em Curitiba-PR
Ando devagar, porque já tive pressa/E levo este sorriso, porque já chorei demais… Pronto! Chegou a hora de mudar o ritmo e, principalmente, o olhar destas turmas. Como alunos de uma instituição de ensino técnico, cujos cronogramas de disciplinas são tão apertados, exigindo tudo ao mesmo tempo, o desafio, agora, é outro: mudar o foco, a perspectiva, o olhar sobre o mundo a nossa volta.
As aulas de Língua Portuguesa, a partir de maio, data em que iniciei o trabalho das oficinas com as quatro turmas do curso de Mecânica, turmas formadas, basicamente, por meninos, foram direcionadas às atividades de leitura e escrita com o objetivo de levar aos meus meninos e meninas um novo ar. Cobrados por muitos professores, com medo dos resultados das avaliações, sempre correndo, a tarefa alterou o percurso pré-destinado ou, talvez, tenha colocado no caminho deles a necessidade de valorizar o belo, o singelo, o delicado, o gostoso de cada dia. A letra da canção de Almir Sater define um pouco o nosso passo nesta caminhada: devagar, agora sem pressa.
A crônica passou a ser um colega a mais na turma. Primeiramente, o reconhecimento do gênero a partir de textos de cronistas gaúchos, que tratavam de episódios comuns para todos nós: um tênis desamarrado em um dia de chuva, um passarinho que aparece na janela do escritor. Neste momento, as exclamações: que simples! Que nada a ver! A surpresa diante do cotidiano levou-os a perceber uma das características essenciais da crônica: fazer do simples o inesperado, o surpreendente. Como dizia Antonio Candido, “Em lugar de oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega o miúdo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade insuspeitadas”.
Então a primeira porta havia sido aberta. É com o cotidiano, com as coisas próximas o nosso trabalho. Foram muitos textos lidos, ilustrados, analisados oralmente, individual e coletivamente. Com as atividades orais, um outro ganho: o trabalho com a postura, a imposição de voz, a segurança nas apresentações (requisitos cobrados em várias disciplinas do curso, em especial na apresentação dos projetos). Alguns aspectos textuais também foram sendo resgatados, entendidos, complementados: o que é mesmo foco narrativo? Quais as figuras de linguagem mais comuns nas crônicas lidas? Quais as características deste gênero? O que é lirismo?
Em meados de junho, a primeira produção textual: surpresa satisfatória! Muitos já haviam apurado o olhar sobre as suas vivências e seu meio. O tom lírico, com toques nostálgicos foi o vencedor nas escolhas. Talvez uma necessidade de evasão… A literatura tem esse poder…
Senti que meus alunos já estavam preparados para o poético na prosa. A crônica “O amor acaba”, de Paulo Mendes Campos, nos fez viajar em uma aula de poesia, com uma adaptação da oficina: a proposta, agora, era criar uma “lista poética” sob o título “O amor começa”. Que experiência grandiosa! Pude perceber a sensibilidade tomando conta de alguns. Sempre foi este o meu ponto de chegada: afinar o espírito ao escrever. Se eu conseguisse isso, a crônica estaria salva.
E aos poucos pude perceber que as atividades previstas nas oficinas ora nos faziam rir, ora chorar, ora nos revoltar contra aquele que não respeita uma pelada no campinho da praça. E o encontro com o mestre Machado de Assis, com a crônica “Um caso de burro”, evidenciou o despretensioso na grandiosidade do discurso: a partir do burro agonizante na rua, uma reflexão sobre a passividade diante da nossa própria existência.
A preocupação seguinte foi iniciar o trabalho com a estrutura textual, sua organização, recursos, formas de dizer. Tendo como ponto de partida a escolha de um assunto, através das notícias de jornal trazidas por eles, fizemos um levantamento de possíveis temas para nossa segunda crônica. Aqui uma experiência reveladora: alguns não conseguiram perceber o que podia ser extraído das notícias para se tornar uma crônica. E o alívio: conversas em pequenos grupos, diálogos mais próximos despertaram o espírito de alguns em relação à delicadeza do cotidiano. Bastava o apoio, a cumplicidade, também sugerida pelas oficinas: “nós vimos isso, não?”, “sentimos isso igualmente, não é?”.
Na verdade, ao aguçar os olhares, aguçamos, também, nossas almas. Ninguém era o mesmo naquela altura. No meio de uma conversa, alguém exclama: “Isso daria uma bela crônica!” Sim, sim! É isso, gol! Esse é o caminho. Captaram o essencial.
A partir desse instante, o trabalho com a crônica tornou-se mais natural e mais prazeroso. Os alunos já se identificavam com o gênero, começaram a ler melhor, a prestar mais atenção na mensagem escrita. Eu comentava com meus colegas, toda entusiasmada, sobre a riqueza do material recebido, o resultado agradável que percebia.
E chegamos aos momentos finais, momentos de preparação do texto que seria encaminhado à Olimpíada. O trabalho com as fotos foi uma redenção: sensibilidade à flor da pele, vontade de escrever sobre o momento ou o lugar registrado pela câmera. Solicitei fotos que tivessem algum sentido especial para cada um. E o lugar onde passaram a infância passou a ser latente nas suas memórias. A partir disso, uma delicada provocação: e o tempo de vocês hoje? Por que as coisas são diferentes agora? O que realmente muda: nós ou os outros? A crônica de lembranças foi a preferida das turmas. Acredito que é através das constantes retomadas que fazemos enquanto crescemos que vamos formando nossa história. Vamos formando-nos.
Participar da Olimpíada foi uma experiência muito positiva, por vários motivos: melhoramos a escrita, lemos mais, tornamo-nos mais sensíveis, mais críticos e ao mesmo tempo mais delicados, aprendemos a olhar em volta de nós, aprendemos a olhar a nossa escrita, a nossa produção. Fiquei feliz em perceber o investimento na educação, no que diz respeito à leitura e escrita, base para todo conhecimento. E feliz em refletir sobre a minha prática pedagógica, notando pontos pouco significativos que podem tomar outro rumo em sala de aula. Comprovando a ideia de que não sabemos tudo, podemos sempre aprender, criar, tomar caminho novo. E para não perder a ternura no fim do texto: Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe, eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei, ou nada sei…