O ônibus cruzou a fronteira meridional do Brasil, deixando para trás a gaúcha Quaraí e chegando à vizinha uruguaia Artigas. Corria o mês de outubro de 1992 e, enquanto eclodia no Brasil a histórica queda do primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização dos anos 1980, um grupo de alunos e professores da Fundação Liberato dava também um passo histórico para a Instituição que representavam. O então professor do Curso Técnico de Mecânica, Wilson Kindlein Júnior, a Supervisora Educacional Maria Leoni Sauter Hennemann e o professor Bruno Guido Schrott foram os representantes educadores que, junto com 26 estudantes, estiveram presentes na primeira participação internacional de projetos da Fundação Liberato em feiras científicas de que se tem registro. Muitas outras pessoas também estiveram envolvidas para tornar esse marco histórico possível.
A participação dos 8 projetos na VII Feira Internacional de Ciência e Tecnologia Juvenil (FEINTER), desenvolvidos por alunos do Curso de Mecânica, coroou um processo pedagógico desenvolvido pelo orientador Kindlein, com o apoio fundamental da orientadora Leoni. Com materiais alternativos, os alunos eram estimulados a terem um olhar diferenciado sobre a área na qual se preparavam para atuar. “O que nós queremos, na verdade, é mostrar que a mecânica não está desvinculada da química, ou de qualquer outra ciência”, afirmou o professor a um jornal da época. Do trabalho pedagógico, nasceram os projetos; dos projetos, as possibilidades. Da participação no Uruguai, a delegação da Fundação Liberato trouxe na bagagem uma credencial para outra Feira Internacional, desta vez, nos Estados Unidos. O projeto “Utilização da Fibra da Bananeira na Área Automobilística”, dos alunos Vitor Fabiano Ledur, Rogério Luft e Leonardo Lermen foi classificado para a 44ª International Science and Engineering Fair – ISEF – que aconteceria em maio do ano seguinte em Bilóxi, Mississipi.
Duas décadas depois, os relatórios datilografados, planos de pesquisa, anotações, prospectos e catálogos da época representam a memória dos laços que os professores Wilson e Leoni fazem questão de manter até hoje com alunos pesquisadores, com a temática da sustentabilidade, com curiosos em geral que querem conhecer um pouco de suas histórias. Maria Leoni, hoje professora aposentada e seu marido, Walerio Hennemann, mantêm o Sítio Ecológico e o Centro Urbano de Práticas Ambientais Lewa Esperança. O professor Wilson, encontramos no Laboratório de Design e Seleção dos Materiais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Hoje é pós-doutor, professor e orientador de projetos de pós-graduação na Engenharia de Materiais – curso que tem 20% dos alunos estudando fora do país, pelo programa Ciência Sem Fronteiras. Mostra-se um verdadeiro entusiasta das possibilidades da pesquisa. Com alegria contagiante, comenta sobre observar carochinhas e borboletas no microscópio, e como um olhar técnico e não-convencional sobre a natureza pode trazer novos conhecimentos…
Pelas portas abertas a partir da primeira participação, entrou, no ano seguinte, um segundo projeto: a “Furadeira de Circuito Impresso”, com a prática multidisciplinar da Mecânica e da Eletrônica, que viria a dar origem a uma empresa de base tecnológica – a Tecnodrill – hoje contando com 50 funcionários e tendo como cliente ninguém menos que a Embraer. Gustavo Freitas, Edson Pereira e Jéferson Adriano da Costa nos contam um pouco da sua vivência na MOSTRATEC 1993 e na ISEF 1994, realizada no Alabama. Impossível, aliás, conversar sobre pesquisa com os orientadores desses alunos, professores Irineu Alfredo Ronconi Jr e Ramon Fernando Hans, sem que eles se refiram, cheios de orgulho, ao sucesso desses rapazes, e de tantos outros que eles orientaram.
A repetição leva à consolidação. O sucesso e o crescimento técnico obtidos a partir das primeiras participações na FEINTER, que levaram à ISEF, somados ao empenho incansável dos professores orientadores e organizadores da MOSTRATEC, conduziram a feira organizada pela Fundação Liberato ao patamar internacional e, a partir da edição de 1994, a afiliação à ISEF é oficializada. Desde então, a MOSTRATEC, anualmente, credencia projetos diretamente para a feira organizada pela Society for Science and the Public (SSP) e apoiada pela Intel desde 1997. Da participação na ISEF 1995, realizada em Ontario, no Canadá, com direito à premiação em primeiro lugar na Área de Química, o relato do ex-aluno do Curso Técnico de Química da Fundação Liberato, Alexandre José Macedo, atualmente professor da UFRGS, traz a importância do trabalho em equipe e da atuação do professor orientador.
Mais do que conquistar prêmios para o Brasil – o que nossos jovens pesquisadores têm realizado com frequência crescente – a internacionalização da MOSTRATEC tem contribuído para o despertar de vocações para a ciência, para a formação de uma comunidade comprometida com a disseminação do pensamento crítico-científico e com a melhoria da realidade. Na busca por entendermos tudo o que representa os 20 anos de participação da MOSTRATEC-Liberato na ISEF, com a diversidade de áreas de conhecimento contempladas, Instituições e Estados brasileiros representados, recebemos relatos que contam experiências das mais diversas, mas com caraterísticas comuns, como a importância dada aos estudos e o compromisso social. Sabemos do empenho de muitos professores e alunos cujos nomes e destaques merecidos não damos conta de proporcionar. Queremos, neste espaço, trazer alguns dos personagens que construíram e transformaram suas trajetórias a partir da participação na MOSTRATEC e na ISEF. Isso talvez signifique colocar em exposição algumas das riquezas de um verdadeiro baú de tesouros que ainda estamos descobrindo. Fica registrado nosso compromisso de sistematizar e estender o espaço destinado a esses relatos em oportunidades futuras. Por ora, entendemos que o fato mais importante é que houve um início. E que há uma continuidade. E que, nesse processo, muitas vidas foram modificadas, e muitas ainda serão. Convido você a conferir algumas.
Tamara Gedankien participou da ISEF 2009 e 2010.
“Por meio de minhas participações na MOSTRATEC e na ISEF, eu descobri minha vocação para a ciência, e baseada nessa descoberta, construí meus sonhos.”
De São Paulo, atualmente estuda no Illinois Institute of Technology, com uma bolsa de estudos conquistada na ISEF 2010, quando conquistou também o 1º lugar na área de Ciências Sociais e Comportamentais. Coordena o Chicago Undergraduate Research Symposium e é Diretora de Comunicações Internas do Conselho Estudantil de Engenharia do Illions Institute of Technology. Leia mais em: https://expressaodigital.liberato.com.br/?p=1718
Lidiane Leal Andriolla participou da ISEF em 2005 e 2006.
“O desenvolvimento da pesquisa foi, desde o meu Ensino Médio e até hoje, a melhor experiência educacional que já tive”.
Formada Técnica em Química na Fundação Liberato, graduada em Pedagogia, atualmente, reside no Rio de Janeiro. Faz referência ao intenso aprendizado com o professor orientador e com o colega Alexandre Spindola e destaca o prazer de trabalhar com crianças que “são naturalmente curiosas, e é fascinante o resultado quando são instigadas a questionarem e irem em busca de respostas”. Leia mais em: https://expressaodigital.liberato.com.br/?p=1744
Igor Germano Seibert participou da ISEF 2006 e 2007 como pesquisador e, em 2008, com relato no Educators Academy.
Da área “Animal Sciences” descreve o momento da premiação de seu projeto “Aviário Inteligente” na ISEF 2007 como “definitivamente o momento mais feliz de sua vida”. “Dedicação, esforço, humildade e muita pesquisa” foram essenciais à sua conquista. “É o saber se virar que faz a diferença”. Leia mais em: https://expressaodigital.liberato.com.br/?p=1740
Augusto Simon participou da ISEF em 2005.
“A participação na ISEF foi como um encerramento com ‘chave de ouro’ para a minha experiência de aluno e pesquisador na Fundação Liberato. […] Não consigo me enxergar não trabalhando com pesquisa. A Liberato me proporcionou a construção de um belo currículo e o venho incrementando com bases sólidas.”
Concluindo Engenharia Elétrica, Augusto atua como estagiário no desenvolvimento de softwares para mapas digitais de trilhos de trem no Centro Aeroespacial Alemão. Leia mais em: https://expressaodigital.liberato.com.br/?p=1735
Jader Augusto Dieter participou da ISEF em 2008.
“A minha participação na MOSTRATEC tinha como objetivo a conquista de uma bolsa de estudos em uma universidade, para que eu e meu companheiro de projeto, Jeferson Pehls, pudéssemos cursar a tão sonhada Engenharia. E acabou se tornando um dos eventos mais importantes da minha vida”.
Jader e seu colega fundaram a empresa Eletrosmart – Indústria e Comércio de Produtos Eletrônicos, situada na Incubadora Tecnológica Liberato, que atua na área de pesquisa e projetos de produtos. Ambos cursam Engenharia Elétrica, com as bolsas de estudos conquistadas na MOSTRATEC 2007. Leia mais em: https://expressaodigital.liberato.com.br/?p=1733
Nelson Beuter Júnior participou da ISEF em 2005.
“Saber que atividades, métodos ou ideias desenvolvidas pelo projeto Pesquisa-Ação Ambiental foram úteis para a comunidade em que foi aplicado, bem como referência para embasamento e aperfeiçoamento de outros trabalhos do mesmo tema é muito gratificante e, talvez, tenha sido o maior prêmio que obtivemos com este projeto.”
Nelson é Bacharel em Química pela UFRGS e faz Especialização em Gestão Ambiental e Sustentabilidade. Trabalhou por 2 anos na Espanha e teve oportunidade de participar da 42ª Reunião da IUPAC (União Internacional de Química Pura e Aplicada, na sigla em Inglês), em Glasgow, Escócia, 2009. Atua na Braskem, no Polo Petroquímico de Triunfo-RS. Leia mais em: https://expressaodigital.liberato.com.br/?p=1724
Cristopher Mateus Carvalho participou da ISEF 2012(*) e 2013.
“A iniciação científica em nossa comunidade era algo inexistente, as pessoas definitivamente não conheciam. Após o início do nosso projeto e a participação na Intel ISEF, a escola abriu as portas para o desenvolver de novos projetos, apoiando-os. As feiras me mostraram que estudar é muito importante, e que não é necessário ser um doutor ou mestre para querer ajudar o mundo na pesquisa.”
Cristopher é estudante do Ensino Médio de Mateus Leme (MG) e bolsista do CNPq. Com o projeto da área de Ciências das Plantas, que tratava sobre o potencial medicinal de uma planta chamada Pariri, obteve, junto com as colegas Jaqueline Campos Costa e Júlia Maria Resende Ferreira, o 3º lugar na área, na ISEF 2013. Leia mais em: https://expressaodigital.liberato.com.br/?p=1729
(*) Credenciamento pela FEBRACE (Feira Brasileira de Ciência e Engenharia).
André Luis Viegas
Professor da Fundação Liberato